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Brasil em Foco

Série Brasil em Foco 11/2023

No STF tudo é política, e ela tem a nossa cara / Essequibo em disputa

Está disponível para download gratuito a última edição de 2023 da série Brasil em Foco, com dois artigos dedicados aos temas da relação do Supremo Tribunal de Justiça com os demais poderes, e a reivindicação da Venezuela acerca do território de Essequibo, atualmente sob administração da Guiana. A série Brasil em Foco tem por objetivo publicar mensalmente artigos com análises sobre os principais temas em pauta no cenário político, a fim de contribuir no debate democrático.

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No STF tudo é política, e ela tem a nossa cara

Humberto Dantas[1]

É miopia exacerbada, ausência de boa-fé ou desconhecimento afirmar que o Judiciário, em especial alusão à realidade brasileira, não é um ator político significativo. O arranjo institucional da tripartição dos poderes, a forma como a Suprema Corte é composta e as responsabilidades associadas às políticas públicas e às leis no que diz respeito ao fazer (legislar) e ao exigir de práticas (executar) não deixam dúvidas. Pouco importa se o presidente do STF eleva o tom para dizer que não existe ativismo judicial no Brasil, que a instituição não atua politicamente e que o Senado afronta a Democracia quando projeta redimensionar os poderes da casa maior de nosso Judiciário. Nada disso é verdade.

Assim, o STF é um ator dos mais relevantes em termos políticos no Brasil, tem caráter legislador e executor que por vezes transcende aquilo que a tradição prega em termos de repartição dos poderes, e é o Senado que confirma a contratação dos 11 ministros, os julga, os cassa e por onde passam projetos que podem alterar aspectos associados às suas atribuições.

Parte expressiva dessas percepções demorou para se tornar sentida pela Opinião Pública brasileira. A KAS apoia a Ciência Política em publicações sobre a justiça faz décadas no Brasil, e em 2019 lançou livro sobre Governabilidade reafirmando o caráter político do STF, com nova publicação marcada para 2024. Lembremos: até o ano de 2000, por exemplo, eram raras as ações diretas de inconstitucionalidade que envolviam interesses do Executivo, e extremamente comuns os ganhos de causas associados à agenda do Planalto. Com o passar do tempo, as decisões foram se tornando menos desequilibradas. E o mais importante: o volume de causas aumentou exponencialmente, o que nos faz dizer que não é a sanção presidencial ou a apreciação de vetos que determinam uma nova lei, mas sim o aval do STF provocado. Aqui mais uma importante constatação política: se o Legislativo assim o quis, paciência. Parte do que vemos nesse campo é resultado de uma aceleração do processo legislativo que deslocaram parte da estratégia da oposição para apelos ao Supremo, que raramente se furta de decidir.

Completa este cenário o comportamento do Poder Executivo, sobretudo durante o governo Bolsonaro, em relação ao STF. A violência das ameaças deu o tom do período de 2019 a 2022, culminando em 08 de janeiro de 2023. Notemos: tudo isso é política.

Por fim, o que Felipe Nunes e Thomas Traumann chamam de “Biografia do abismo” em livro recém-lançado. A saber: a cristalização do sentimento de cisão ideológica absoluta e persistente no país. A eleição acabou, mas a sensação de guerra não passou.

E diante da combinação de todo esse cenário, indicações ao STF que sempre foram políticas, se tornaram radicais, a ponto de Bolsonaro indicar alguém “terrivelmente evangélico” como André Mendonça, aprovado sob o placar mais equilibrado da história, e Lula passar um “comunista” em dezembro de 2023, na segunda aprovação mais equilibrada. Flávio Dino não é comunista, e o Brasil sequer sabe o que é isso. Assim como está longe de saber e entender o que é ser liberal. Mendonça, nem ninguém, é terrivelmente evangélico apenas por professar sua fé. O que temos é a politização exacerbada de tudo nesse país: do STF, das indicações do STF e, nos últimos dias, do comportamento dos senadores para consolidar Dino. Discursos pobres, posturas infantis e comportamentos preocupados com as redes sociais, sem deixar de considerar que foram democraticamente eleitos e atendem a certas posturas do eleitorado que um dia amadurecerá.

 

Essequibo em disputa

Reinaldo J. Themoteo[2]

A iniciativa venezuelana de realizar um referendo de caráter consultivo sobre a possível anexação de da região de Essequibo ao território venezuelano colocou o assunto no centro das atenções da comunidade internacional, e trouxe incerteza e apreensões aos países vizinhos de Venezuela e Guiana. Além da anexação o referendo apresentava outras questões a respeito de concessão de cidadania e documento de identidade aos moradores da localidade, região reivindicada pela Venezuela há décadas e que em 2015 ganhou destaque, após a empresa petrolífera Exxon Mobil, com sede nos Estados Unidos, anunciar a descoberta de uma reserva de petróleo na região. O referendo foi realizado no dia 03 de dezembro,  e cerca de 95% dos pouco mais de 10 milhões de venezuelanos votantes se manifestaram favoravelmente. A Guiana considerou o referendo como uma atitude provocativa e sem efeito legal internacional. Também foi anunciada por Georgetown a realização de um exercício militar em conjunto com forças militares dos Estados Unidos, país com o qual a Guiana possui uma parceria militar desde 2022.

As origens da disputa remontam ao início do século XIX. A região de Essequibo passou a fazer parte do território venezuelano após a independência do país em 1811, mas 3 anos após, o Reino Unido comprou o território, em acordo com a  Holanda. Contudo, em tal compra não foi estabelecida com clareza a fronteira do território comprado, eis a gênese do conflito. Essequibo é um território de 160.000 Km sob administração da Guiana, representa 74% do território do país e possui uma população de 125.000 pessoas, de um total de 800.000 habitantes. A Venezuela reivindica para si a soberania sobre o território, que é rico em minérios, petróleo e hidrocarbonetos, além de ter um componente estratégico, que é possuir uma saída para o Oceano Atlântico. O governo venezuelano reclama o direito à região com base no Acordo de Genebra, que foi firmado em 1966. O governo da Guiana afirma possuir a soberania sobre Essequibo com base na fronteira que ficou estabelecida em 1899, por um tribunal de arbitragem, e apresentou no dia 30 de outubro de 2023 junto à Corte Internacional de Justiça uma solicitação para que a disputa seja arbitrada pelo tribunal. A Venezuela nega a legitimidade da referida corte para definir o destino do território em disputa.

O governo brasileiro tem buscado assumir um papel de mediador do conflito, buscando propiciar canais de diálogo entre as partes envolvidas. O presidente Lula ofereceu o Brasil como lugar para a realização de reuniões entre representantes da Venezuela e da Guiana, de modo que seja possível encontrarem uma solução diplomática para a questão. Apesar de considerar um conflito armado uma possibilidade remota, o governo brasileiro ampliou o nível de prontidão para as regiões de fronteira com Venezuela e Guiana, aumentando efetivos militares e enviando veículos blindados para lá. Além da preocupação sobre um possível conflito armado, há o receio de que o agravamento das tensões na disputa por Essequibo termine com a instalação de bases militares norte-americanas em Essequibo, que faz fronteira com o Brasil ao norte, sendo parte da floresta amazônica.

A reunião realizada em São Vicente e Granadinas no dia 14 de dezembro, com a participação do presidente da Venezuela, Nicolas Maduro, e do presidente da Guiana, Mohamed Irfaan Ali, teve como resultado um acordo firmado entre Guiana e Venezuela, no qual ambos os países se comprometem a não ameaçar e nem usar a força na resolução do conflito, abstendo-se de agravar a situação, e buscando a solução através do direito internacional. Se os próximos passos da busca de uma solução para o conflito permanecerem no âmbito do diálogo pacífico, conforme a recente reunião sinaliza,  os países envolvidos evitarão o agravamento do conflito, trazendo alívio para a região como um todo.

 

[1] Cientista político, doutor pela USP e parceiro da KAS.

[2] Coordenador editorial da Fundação Konrad Adenauer no Brasil, doutor em Filosofia pela UFRJ.

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