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Brasil em Foco

Série Brasil em Foco 1/2024

Dia 08/01/2023 – tentativa de Golpe de Estado / O G20 no Brasil e o Brasil no G20 / A crise no Equador e suas dimensões regionais e globais

O primeiro número de 2024 da série Brasil em Foco contém três artigos: o primeiro traz uma reflexão de Humberto Dantas sobre os acontecimentos de 08/01/2023, no segundo, Ana Carolina Abreu analisa a importância da realização do G20 no Brasil neste ano, e o terceiro texto, da autoria de Danilo Marcondes, é dedicado ao tema da crise de segurança no Equador. A série Brasil em Foco tem por objetivo publicar mensalmente artigos com análises sobre os principais temas em pauta no cenário político, a fim de contribuir no debate democrático.

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Dia 08/01/2023 – tentativa de Golpe de Estado

Humberto Dantas[i]

Em janeiro o Brasil completou um ano da violência que cicatrizou a nação. Nesse período, assistimos às primeiras condenações, a atitude intensa do STF e a estranha atitude de atores que utilizam discursos defendendo criminosos que participaram da destruição do patrimônio público se autodenominando patriotas e, principalmente, promoveram atentado ao Estado Democrático de Direito. O caráter sombrio das atenuações é tão ameaçador, que se falou em anistia para “pacificar o ambiente”, termo historicamente utilizado no país para perdoar afrontas institucionais.

Muito se produziu de interpretações sobre 08/01, mas perdura a ideia de se tentar compreender se houve ou não tentativa de Golpe de Estado. No julgamento de um dos presos, ministro do STF se posicionou contra o enquadramento, pois se houve intenção, ela não foi consumada. O argumento soa estranho, pois se a movimentação fosse “bem-sucedida”, não existiriam julgamentos, tribunais e punições. Aliviar o castigo, nesse caso, estimula tentativas, até que uma “enfim vingue”.

Com base em tais aspectos: houve tentativa de golpe? A resposta será dada comparando o que se sabe da realidade com as conceituações de três dicionários de política onde existe o verbete “Golpe de Estado”: o clássico “Dicionário de Política” de Bobbio, Matteucci e Pasquino; o “Dicionário de Política” de Sousa, Garcia e Carvalho e; o “Dicionário das Eleições”, que organizei com Souza, Alvim e Barreiros Neto em contribuição bem recente.

Em todas essas obras, utilizando narrativa de Bobbio et.al., as questões centrais são de natureza histórico-conceitual, bem como se busca compreender quem e como se protagonizam golpes. Nas respostas pensadas a partir do século XX, soberanos e políticos perdem força e os servidores públicos, com ênfase absoluta nas forças militares e policiais são cúmplices e/ou partícipes das ações, caracterizadas por violenta ruptura institucional que beneficia quem ESTÁ no poder ou quem de lá se pretende RETIRAR. Há, ainda, apoio explícito de parte das massas e das elites, ou ao menos omissão. Quando “bem-sucedido”, um golpe instaura novo ordenamento jurídico, justificando pedido de legitimidade a outros governos nacionais. Ademais, tende a extinguir partidos políticos, ou alterar a existência de tal sistema. A tomada das sedes dos poderes instituídos é característica antiquada, mas simbólica, e mais estratégico é o controle ou interrupção de rodovias, portos, aeroportos, meios de comunicação e centrais tecnológicas. Um golpe pega muitos de surpresa, mas é gestado no tempo.

Vamos aos fatos conhecidos: “a Democracia só existe se as Forças Armadas quiserem”, disse Bolsonaro em março de 2019. O ex-presidente sempre criticou os partidos políticos, lhes atribuindo papel central na corrupção. Sua carreira parlamentar louvou a ditadura consolidada em clássico golpe de 1964. Desde ao menos 2018, Bolsonaro desqualifica os processos eleitorais com críticas ao Poder Judiciário e, incisivamente, à urna eletrônica. Para completar, a atual inelegibilidade do ex-mandatário está baseada em evento com representantes de embaixadas, buscando apoio internacional à narrativa contrária às eleições. Após o pleito, apoiadores fecharam rodovias, planejaram atentados contra aeroportos e linhas de energia, formularam documentos de estado de exceção, proferiram discursos parlamentares em tom de ameaça à democracia, relativizaram ocorrências, organizaram acampamentos em quartéis que pouco fizeram para desmobilizar desobediências, utilizaram meios de comunicação para incitações etc. Em 08/01/2023 houve participação para além dos criminosos de Brasília, sobretudo no financiamento e organização das ações.

Diante de tais aspectos, bem ou mal arquitetado e sucedido, aos olhos conceituais, houve tentativa de Golpe de Estado no Brasil. Resta conhecer rapidamente, diante de declarações que atenuam atos e desqualificam a justiça, os responsáveis, os punindo e evidenciando legalmente se: políticos “apenas inspiraram” ou também organizaram ações; quem financiou e, principalmente, quais setores das Forças Armadas apoiaram a tentativa de Golpe. E pouco importa, hoje, quem seria colocado no poder e o que se anunciava em termos de engenharia institucional.

 

O G20 no Brasil e o Brasil no G20

Ana Carolina Abreu[ii]

O Brasil assume a presidência do G20 pela primeira vez em 2024, tendo o Rio de Janeiro como o ponto de encontro dos líderes das 20 maiores economias do mundo em novembro. O Grupo dos Vinte (G20) é o principal fórum para a cooperação econômica internacional, composto pelas 19 maiores economias do mundo, pela União Europeia e pela União Africana, desde 2023. Ao longo de um ano inteiro, a presidência brasileira será o maestro da orquestra de reuniões do G20, dando o tom à uma série de discussões temáticas que cobrem as principais questões relacionadas ao desenvolvimento socioecônomico mundial, desde comércio e finanças, até infraestrutura, saúde e educação.

Como um país tradicionalmente diplomático e defensor do multilateralismo, o Brasil assume a presidência do G20 com uma profunda compreensão da necessidade de colaboração em um mundo em transformação. No entanto, alguns desafios geopolíticos transpassam este processo. As guerras da Ucrânia e Israel-Palestina devem seguir provocando fissuras profundas entre os posicionamentos dos países. Na edição indiana do G20 em 2023, a dificuldade em estabelecer a abordagem sobre o conflito ucraniano na declaração de cúpula sinalizava que o G20 estava dividido[iii]. Ainda, o G20 no Brasil será durante um superano de eleições ao redor do globo, contando com mais mais de 40 eleições nacionais ou transnacionais, em países que concentram mais de 40% da população mundial[iv]. Os Chefes de Estado que participarão da Cúpula em novembro podem ter alinhamentos ideológicos totalmente diferentes daqueles que negociaram ao longo de todo ano a agenda final. Por fim, a crise climática se faz mais presente do que nunca num contexto em que ainda falta direcionamento contundente de investimentos para tecnologias e medidas de mitigação e adaptação do clima.

Neste cenário, as prioridades da presidência brasileira buscam consensos de perspectivas e orientações políticas de questões menos sensíveis, porém estratégicas para o país e ainda relevantes para os demais integrantes do grupo. Sobretudo aos países do Sul Global, aproveitando a vigência da Troika atual

formada por Índia, Brasil e África do Sul para avançar com debates mais latentes para países em desenvolvimento, como combate à pobreza e à fome, mobilização para o desenvolvimento sustentável e a proteção do clima, e reforma das instituições de governança global. Ainda, mediante a sua vocação natural e posicionamento político como líder da pauta ambiental e climática, o Brasil aproveitará o momento para reforçar a necessidade de um maior financiamento para os países que têm grande potencial de alavancar a transição ecológica-econômica global, mas que não possuem dinheiro suficiente para tal.

Ressoando as prioridades brasileiras para o G20, Rio de Janeiro e São Paulo compartilham a presidência do Urban 20 (U20), grupo de engajamento de representantes das cidades de países do G20 que destaca as perspectivas urbanas a serem consideradas nas decisões dos Chefes de Estado. O U20 se dedicará, então, a pensar sobre problemas críticos para as cidades, principalmente as brasileiras, como saneamento básico, mobilidade urbana, e prevenção de desastres. O Rio pretende contribuir ativamente em frentes que já possui protagonismo, compartilhando experiências de adaptação climática, inclusão social e economia circular, além de advogar fortemente pelo financiamento do desenvolvimento urbano sustentável.

Além do U20, existem outros Grupos de Engajamento em que a sociedade civil se organiza por temas de interesse para participar e influenciar as decisões finais. Tanto a presidência da república como o Rio têm estimulado a participação e contribuição da sociedade civil no processo. A Prefeitura do Rio estabeleceu o Comitê Rio G20 não só para apoiar a presidência na organização das reuniões oficiais, mas para promover iniciativas existentes e inovadoras que tratem dos temas do G20 ao mesmo tempo que endereçam questões locais, por exemplo, através de eventos paralelos que vão desde iniciativas culturais e comunitárias até discussões internacionais.

Portanto, o Brasil, como país, cidades e população brasileira, está numa posição única de liderar discussões globais críticas, forjar novas parcerias e mostrar os seus pontos fortes. A Cúpula do G20 no Rio é mais do que um evento de grande visibilidade das ações locais e nacionais; é uma plataforma única de intercâmbios intelectuais e culturais para coordenar esforços conjuntos, obter ganhos com compromissos multilaterais, e reforçar o papel do Brasil como um catalizador da cooperação internacional no G20 e no mundo.

 

A crise no Equador e suas dimensões regionais e globais

Danilo Marcondes[v]

A recente crise de segurança no Equador posiciona os holofotes em relação à continuidade da insegurança na América Latina. O Equador já passou por diferentes períodos de estado de emergência na sua história política recente, mas a declaração de “conflito armado interno” pelo Presidente Daniel Noboa (empossado em novembro de 2023) é sem precedentes na história do país.

É importante pensar a situação recente no Equador também do ponto de vista das suas implicações regionais e internacionais mais amplas. Por exemplo, a crise de segurança no país acontece em momento de grande visibilidade para a diplomacia equatoriana, já que o país ocupa um dos dois assentos não-permanentes no Conselho de Segurança das Nações Unidas destinados ao Grupo Latino-Americano e Caribenho (GRULAC). O mandato equatoriano no Conselho será concluído ao final de 2024.

No contexto regional latino-americano, os principais desafios para as autoridades equatorianas estão associados ao emprego de soluções que não permitam a reorganização e o fortalecimento dos grupos criminosos, gerando mais instabilidade. Analogias com situações similares vividas em El Salvador e na Colômbia devem ser abordadas de maneira cautelosa, para evitar que as medidas empregadas afetem a estabilidade política, o Estado de Direito e a manutenção da democracia no país.

A instabilidade no Equador também reforça o papel do país como consumidor de tecnologia de segurança e a busca por fornecedores e novos parceiros internacionais. Por exemplo, em 2019, o Equador adquiriu sistemas de vigilância oriundos da China, produzidos pela estatal CEIEC, e pela Huawei. Em 2023, China e Equador firmaram um acordo de cooperação interinstitucional na área de segurança.

O episódio recente também significou uma retomada da cooperação em segurança fornecida pelo governo dos Estados Unidos da América (EUA), que havia sido interrompida durante o mandato do Presidente Rafael Correa (2007-2017). Antes da crise atual, a União Europeia (UE) já havia incrementado a cooperação com o Equador. Um Memorando de Entendimento foi assinado em 2023, incluindo combate ao crime organizado transnacional e ao tráfico de drogas. As autoridades de polícia e segurança da UE estão prestando cooperação para o fortalecimento da segurança do porto de Guayaquil.

A situação no Equador também é acompanhada pelos países fronteiriços. Por exemplo, as autoridades colombianas estão preocupadas que Adolfo Macías, conhecido como Fito, líder da principal facção criminosa do país Los Choneros, possa ter entrado em território colombiano após a sua fuga da prisão em janeiro de 2024. No mesmo mês de janeiro, as autoridades equatorianas capturaram no território equatoriano o líder da Frente Oliver Sinisterra, movimento dissidente das Farc, que foi deportado para a Colômbia.

Apesar do Brasil não fazer fronteira com o Equador, a situação no país também é acompanhada com atenção pelas autoridades em Brasília. A comunidade brasileira residente no Equador gira em torno de 3500 pessoas. A Polícia Federal não possui adido residente em Quito, mas acionou os seus adidos no Peru e na Colômbia.

Por fim, um olhar especial deve ser dedicado às organizações regionais, principalmente no contexto de relançamento das iniciativas de integração sul-americana. O Equador é um país amazônico e membro da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), sediada em Brasília. O processo recente de revitalização da organização, simbolizado pela reunião de Belém do Pará em 2023,  indicou a importância de reforçar e ampliar a cooperação policial, judicial e de inteligência no combate a atividades ilícitas.

A crise de segurança no Equador é uma questão doméstica com implicações regionais e globais significativas. O fortalecimento da capacidade dos agentes estatais em responderem às ameaças requer uma cooperação regional e global que permita um compartilhamento de boas práticas junto com o fortalecimento da democracia no país.

 

[i] Cientista político, doutor pela USP e parceiro da KAS.

[ii] Internacionalista pela PUC-Rio e Membro do Comitê Rio G20 da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro.

 

[iii] http://opsa.com.br/wp-content/uploads/2023/10/Boletim_OPSA_2023_n3.pdf

 

[iv] https://www.cartacapital.com.br/mundo/2024-o-superano-de-eleicoes-pelo-mundo/

[v] Danilo Marcondes é PhD em Politics and International Studies pela Universidade de Cambridge e Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq e Bolsista Jovem Cientista do Nosso Estado pela FAPERJ.

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