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Brasil em Foco

Série Brasil em Foco 8/2023

A reforma ministerial e seus principais objetivos e expectativas / Reforma Tributária no Brasil: disputas e possibilidades em 2023 / A Presidência do Brasil no G20

A oitava edição traz artigos sobre os temas da reforma ministerial e o seu impato para a governabilidade, a reforma tributária e alguns de seus aspectos mais importantes, e também a presidência do Brasil no G20 e as suas prioridades. A série Brasil em Foco tem por objetivo publicar mensalmente artigos com análises sobre os principais temas em pauta no cenário político, a fim de contribuir no debate democrático.

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A reforma ministerial e seus principais objetivos e expectativas

Humberto Dantas

Depois de meses de espera, o governo anunciou sua primeira reforma ministerial. Não estranhe os “meses”, tampouco o considere exagerado. Qualquer analista sabia que depois do anúncio da equipe em dezembro de 2022, Lula teria que enfrentar ajustes. Isso por duas razões: a soma de partidos na base do Planalto no parlamento era estreita demais para demandas mais complexas em um Congresso eleito para dialogar mais com o ex-presidente Bolsonaro à direita e; os partidos contidos no governo, principalmente legendas do centro à direita como PSD, União Brasil e MDB, dificilmente entregariam tudo o que representam em termos de votos. Resultado: faltou fôlego para algumas conquistas, e Lula acumula, por exemplo, o pior resultado em conversão de medidas provisórias em normas desde a reforma constitucional de 2002 sobre o artigo 62, que delimita tal tipo de matéria. Se entre 2003 e 2007 ele teve 100% de taxa de conversão dessas medidas em lei, agora tem 28,6% de acordo com matéria da Agência Estado, contra 30,8% de Bolsonaro em igual período. Naturalmente que análise mais acurada da situação pode resultar na percepção de que o Legislativo tem se mostrado mais ativo e resistente desde os embates de Eduardo Cunha contra Dilma Rousseff entre 2015 e 2016, mas ainda assim é esperado que um presidente consiga levar adiante sua agenda diante do Legislativo. Não tem sido assim. Tal cenário justifica a reforma traçada, considerando que antes do trio alterado, nos deparamos com a saída de um militar do GSI motivada pela tentativa de golpe em janeiro, e com a troca no Turismo, justificada principalmente pelo conflito que o grupo político ao qual a deputada federal, e então ministra, Daniela Carneiro (RJ) gerou no interior do União Brasil.

O que assistimos nos últimos dias, depois de semanas de indefinições, é diferente. Lula tenta atrair parcelas governistas de duas legendas de oposição. As duas principais são: Republicanos e Progressistas, que enfrentam dilemas regionais. Se no Sul e em partes do Centro-Oeste e do Sudeste, tais legendas se mantêm fiéis à direita, no Nordeste está a chave para o ingresso no governo. André Fufuca, deputado progressista do Maranhão, e Silvio Costa Filho, parlamentar republicano de Pernambuco foram os escolhidos, respectivamente, para as pastas do Esporte e dos Portos. Da primeira caiu Ana Moser, ex-atleta do vôlei que ficou sem respaldo político. Da segunda Mário França, articulador da ida de Geraldo Alckmin ao PSB para compor chapa com Lula. Este, ancorado politicamente, ficou com um novo ministério, associado ao empreendedorismo e à pequena empresa.

A partir de agora o desafio será compreender duas questões: o governo receberá votos justificando tais movimentos? O ministro da articulação, Alexandre Padilha (PT), aposta que sim. Costa Filho também, assim como Fufuca engrossou o coro dizendo que até mesmo Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, seria excelente ministro ao término de seu mandato no comando da casa parlamentar, em fevereiro de 2025. Aqui temos mais uma pista: as eleições municipais devem tirar mais gente da Esplanada, no afã de se tornarem prefeitos, e uma vaga pode ser separada para Lira. Isso se os partidos entregarem o que Lula precisa. Com dois detalhes: mais e mais posições, com destaque para a Caixa Econômica Federal e a FUNASA estão sendo pedidas pelos aliados, e a pauta do governo, para contar com tais votos, precisa ser econômica e de centro, pois na agenda dos costumes mais progressistas, nem se sonha pensar em apoio de um Congresso tão conservador. Tais agendas, provavelmente, vão ficar a cargo do Supremo Tribunal Federal.


Reforma Tributária no Brasil: disputas e possibilidades em 2023

Ursula Peres e Fábio Pereira dos Santos

Por que precisamos de uma reforma tributária no Brasil?

O Brasil é uma das maiores economias mundiais, podendo voltar ao ranking das 10 maiores economias do mundo em 2023. Isso dependerá do crescimento neste segundo semestre acontecer como o esperado, revertendo parcialmente a perda de empregos e o aumento da pobreza dos últimos anos.

Além de ser uma grande economia, o Brasil é também um dos países de maior concentração de renda do mundo. Aqui o 1% mais rico tem quase metade da riqueza nacional (48,4% segundo o Global Wealth Report de 2022).
Essa desigualdade está em grande medida relacionada às distorções do nosso sistema tributário. A tributação sobre consumo no Brasil é excessivamente complexa, muito alta quando comparada ao grupo da OCDE, além de sobretaxar os mais pobres e dificultar o crescimento econômico, enquanto a tributação sobre a renda e patrimônio das pessoas é baixa, inferior à praticada na maioria dos países da mesma OCDE e praticamente não incide sobre os mais ricos.

A reforma tributária é necessária justamente para mudar essa estrutura, racionalizando e aprimorando a tributação sobre consumo e tornando mais justa a tributação sobre a renda e o patrimônio.

O que está em discussão no Congresso Nacional

A Câmara dos Deputados já aprovou e está tramitando no Senado Federal uma emenda constitucional que trata da reforma da tributação indireta, com substituição de três impostos e contribuições federais (IPI, PIS e Cofins) pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e um imposto seletivo a ser instituído em substituição dos impostos ICMS (estadual) e ISS (municipal) pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
As mudanças serão gradativas, entre 2026 e 2033, quando haverá a vigência integral do novo sistema e extinção dos tributos e da legislação atuais.

A administração desses impostos será compartilhada entre a União e os entes subnacionais. Para evitar eventuais perdas de estados e municípios com as mudanças a União comporá um fundo de compensação, administrado em conjunto com um comitê interfederativo e 50 anos de transição entre o sistema atual de distribuição das receitas (tributação na origem) para o sistema de tributação no destino.
Os principais aspectos da mudança são a simplificação e o foco na eficiência. Essas mudanças buscam também evitar a guerra fiscal entre estados e entre municípios, que produziu mudanças de legislação, alíquotas e isenções tentando atrair empresas e setores econômicos e levou a grandes distorções tributárias.

A mudança na tributação sobre o consumo e produção não tem, porém, grande impacto direto na redução das desigualdades no país. Esse objetivo é mais bem alcançado pela tributação direta sobre a renda e/ou patrimônio. Nesse sentido, uma segunda parte da reforma tributária envolveria mudanças na tributação sobre a renda, com a correção de distorções na tributação de fundos exclusivos e de off-shores, já propostas pelo governo, possíveis mudanças no instrumento chamado de “juros sobre o capital próprio” e com o fim da isenção de imposto de renda para lucros e dividendos recebidos por pessoas físicas.

Os próximos passos dessa discussão

Neste momento o Senado Federal está apreciando a proposta de emenda constitucional da emenda constitucional de reforma tributária aprovada na Câmara dos Deputados. A grande questão ainda em aberto é qual alíquota será adotada ao final do processo, calibrada para manter a arrecadação produzida pelos impostos e contribuições atuais.  Quanto mais exceções à alíquota padrão maior a alíquota residual necessária. Alguns setores e produtos terão alíquotas reduzidas, como é caso da cesta básica (a ser definida), que terá alíquota zero. A depender das mudanças do Senado o texto deverá voltar à Câmara antes da promulgação. A expectativa é de que até dezembro esteja concluída essa parte da reforma.

A segunda parte da reforma, que permitiria ganhos importantes de justiça tributária ao mudar a tributação sobre a renda dos mais ricos, ainda não possui um desenho definido. Pode ou não vir em conjunto com alguma mudança na tributação sobre as empresas, hoje com grande diferença entre alíquotas nominais e alíquotas efetivas e com espaço para distorções tributárias significativas.
Como mostra o gráfico a seguir, o Imposto de Renda da Pessoa Física é profundamente regressivo nos estratos superiores da distribuição de renda. Os declarantes do IRPF em 2022 ano calendário de 2021, com renda superior a cerca de R$ 300 mil, passam a pagar alíquotas efetivas decrescentes. O último centil dos declarantes paga alíquota efetiva de apenas 4,45%, que cai para 2,49% entre os 0,1% de renda mais alta e para 1,49% para os 3.599 declarantes com renda superior a 20 milhões de reais que compõem os 0,01% com maior renda.

O gráfico acima mostra com clareza a escandalosa injustiça tributária no país, o que explica em grande parte a concentração de renda inicialmente comentada. A reforma da tributação indireta pode trazer ganhos significativos de eficiência econômica, mas é imprescindível também que a renda nacional seja mais bem distribuída.  Para caminharmos em direção a uma sociedade mais justa e equânime precisamos aprovar as duas fases da reforma tributária.


A Presidência do Brasil no G20​​​

Eduardo Munhoz Svartman

Em dezembro de 2023 o Brasil assumirá a presidência anual rotativa do G-20 e em 2024 sediará a reunião do grupo. Qual a importância desses eventos e o que esperar da gestão brasileira à frente do grupo? O G-20 é um espaço de interlocução e de negociação de temas econômicos globais composto pelos países detentores das 20 maiores economias mundiais. Surgiu na esteira da crise financeira de 1998 como um encontro de ministros das finanças e presidentes de bancos centrais, a gravidade da nova crise financeira de 2007 ensejou que a atuação do grupo envolvesse também os chefes de estado e uma agenda cada vez mais ampla.
O G-20 espelha, portanto, os limites dos mecanismos de governança do sistema internacional desenhados em 1945 (ONU, FMI, Banco Mundial, OMC) e da capacidade das principais potências ocidentais, reunidas no G-7, de liderar de forma legítima um mundo cada vez mais complexo e multipolar. No decorrer das últimas décadas, o crescimento econômico não apenas da China, mas de vários “emergentes” como índia, Turquia, Indonésia, África do Sul e, claro, Brasil, juntamente com novos arranjos políticos e econômicos, como BRICS e OCX, credenciaram um número maior de países a ter mais voz no tratamento de questões econômicas e financeiras globais. A percepção crescente dos custos ambientais e sociais do modelo econômico adotado reforçam a necessidade de novos fóruns de negociação e de mais atores envolvidos para que se possa dar conta dos desafios da mudança climática e do desenvolvimento. Não por acaso, a última reunião do grupo ocorreu na índia, as próximas serão no Brasil e, em 2025, na África do Sul.

A presidência brasileira do G-20 alinha-se ao movimento do novo governo Lula de retomar o protagonismo externo brasileiro e de projetar novamente o país como interlocutor relevante em questões globais. Trata-se da possibilidade de não apenas se sentar à mesa na qual decisões de interesse são tomadas, mas de concretamente influir na definição da pauta e no conteúdo das decisões. Nesse espaço, o Brasil tentará modelar a agenda e as negociações de modo a acomodar interesses de países que, à sua semelhança, enfrentam desafios ligados à desigualdade social. Nas palavras do presidente Lula, “[s]e quisermos fazer a diferença, temos que colocar a redução das desigualdades no centro da agenda internacional.” Trata-se, pois, de subordinar os temas financeiros, econômicos e ambientais, aos temas sociais. Nesse sentido, o Brasil anunciou três prioridades para sua ação à frente do G-20: (i) a inclusão social e o combate à fome; (ii) a transição energética e o desenvolvimento sustentável em três vertentes (social, econômica e ambiental) e (iii) a reforma das instituições de governança global.
Embora o alargamento da agenda e a ampliação de atores (governamentais e não-governamentais) nas cúpulas do G-20 em certa medida apontassem nessa direção, a mudança de ênfase é significativa. Por sua vez, a orientação imprimida encontra eco e oposição dentro e fora do Brasil. É uma orientação legítima e necessária, que vocaliza demandas do Sul Global e de setores progressistas, entretanto, enfrenta oposição de setores conservadores internos que entendem a expansão do setor agrário e a preservação ambiental como contraditórios. Tampouco é partilhada com a mesma intensidade por atores preocupados em assegurar acesso a recursos naturais e energéticos como a China, ou envolvidos em disputas geopolíticas como Rússia, Estados Unidos e União Europeia. Equalizar as divergências e interesses contraditórios é, por óbvio, difícil, entretanto, essa é uma das funções do G-20 como um fórum de concertação.

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